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sexta-feira, 13 de março de 2015

Trato feito

Adorado pela igreja e no terceiro mandato em Brasília, Pastor Ferrúcio tinha a vida que pediu a Deus. Ou ao diabo. A fachada de político e religioso escondia uma vida desregrada. Prostitutas de luxo, carrões, vínculos com personagens obscuros. 

A Polícia Federal não estava para brincadeira. A TV noticiava os desdobramentos da Operação Bahamas. Lavagem de dinheiro, propina, evasão de divisas. Ferrúcio tinha parte no rolo.

De olho na repercussão, o partido o abandonara e a igreja pressionava. O advogado avisou: “A coisa tá feia. Qualquer coisa, a gente negocia uma delação premiada”. O deputado se desesperava. Tarde da noite o telefone tocou. Número restrito. Do outro lado, uma voz indecifrável deu a letra: Quem pode resolver seu problema está no endereço assim e assado, esteja lá assim que anoitecer. As frases eram embaladas por um reverberar de cavernas. O interlocutor estava muito longe dali.

Um boteco de madeira, construção precária no meio do Sol Nascente. Foi sozinho e encontrou um moreno espichado. Ferrúcio recusou um gole de cerveja, cachaça ou guaraná. Queria ir direto ao assunto. Acompanhou o moreno até um porão imenso e iluminado a velas. O acordo era simples: Ferrúcio se livrava da investigação em troca de sua alma. Mas antes, avisou o canhoto, ele teria de saber como e quando iria morrer. Uma galinha surgida não se sabe de onde foi degolada e, na poça formada pelo sangue, Ferrúcio viu o futuro. Eu nem estou tão velho assim, murmurou para ninguém, pois o moreno já havia se esfumado. Naquela noite, dormiu com um travo metálico na alma, um sopro gelado no fundo do peito.

Os dias se passaram e a situação continuava calamitosa. Um doleiro caiu no grampo da Federal citando o nome de Ferrúcio. É questão de tempo, lamentou o advogado. Somado ao desespero vinha o ódio por ter caído em tacanho golpe de feitiçaria. Saiu caminhar para aliviar os pensamentos, quando foi colhido por uma BMW preta em altíssima velocidade. Nem mesmo a morte fora parecida com a vislumbrada no sangue de galinha. Ferrúcio partiu exatamente dois dias antes da divulgação da lista dos investigados. Seu nome não fazia parte da relação.

Enquanto populares se aglomeravam em volta do corpo, já a quilômetros dali um moreno canhoto dirigia tranquilamente seu sedã alemão. Político, só com pagamento adiantado.


Por Guinea Pig

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