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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Coração de Jacaré


Sexta-feira 13 de Carnaval. Josmedir abusava da bebida. Cachaça, caipirinha, cerveja, rabo de galo, maria-mole. Roubaram o coração da minha sogra, botaram coração de jacarééééé..., animado pelas marchinhas, abraçava o mulherio e alguns marmanjos. Josmedir adorava a folia.

Lá pelas tantas, trombou uma moça loura, novinha. Um tesão. O papo colou. Josmedir bebeu mais um pouco. A coisa esquentou. Aqui não, tem muita gente, protestou a menina. Pegou-o pela mão e o levou para longe dali. Passaram o asfalto, entraram na mata e Josmedir viu um cemitério. Um cemitério que nunca pensou ter existido por ali. Vem, convidou a mocinha, deitada numa lápide, oferecendo-se toda. Tem que ser aqui, explicou.

Colocar-se em pé diante de tamanha intoxicação etílica foi difícil, mas perfeitamente possível diante de algumas tentativas e o auxílio prestimoso da lourinha. Saíram dali tão logo acabaram. Voltaram à festa e se perderam entre os foliões. Josmedir acordou no dia seguinte, em sua cama, com vagas lembranças do ocorrido.

Procurou-a por toda parte. No sábado, vislumbrou a cabeleira loura entre um bloco de homens-cone. Correu para lá, mas não a alcançou. No domingo, teve a certeza de que a ouvira chamar por ele. Passou a noite sóbrio, olhando para os lados feito tonto. No corpo, jurava carregar o cheiro da menina. Cheiro de flor, de vela derretida. Cheiro de cachoeira e de bicho que vive no mato. De madrugada, sonhava. Via-a em todo lugar e, ao mesmo tempo, em lugar nenhum.

Na última noite, sentiu uma mão em seus ombros. Atirou-se sobre ela feito condenado. Beijava-a com sofreguidão, indagava sobre seu paradeiro. Estive por aí, simplificou. Voltaram ao cemitério, à mesma lápide, onde Josmedir novamente a possuiu. Amaram-se e ele se deixou levar por uma onda repentina. Como se acalentado em berço, dormiu.

Acordou na porrada, já com o dia claro e um cheiro nauseabundo tomando conta. Estava deitado no chão, nu, sob botinadas dos polícias. Foi levantado pelos cabelos e, entre gritos e sopapos, viu alguém recolher um corpo acinzentado, sem cor de gente. A lápide estava violada. Em sua cabeceira, uma foto da lourinha, seguida pela data de falecimento ainda recente. Questão de semanas. Na delegacia, não conseguiu explicar algo que ele mesmo jamais entenderia. No dia seguinte, os jornais noticiaram a prisão do ‘Necrófilo do Embu’.

Por Guinea Pig


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