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terça-feira, 12 de julho de 2011

Animal Ferido

Ele entrou no bar do hotel com a intenção de tomar apenas um drinque antes de dormir. Sentia-se cansado e queria estar disposto no dia seguinte para relembrar a cidade. Há tempos não visitava São Paulo, cidade onde cresceu: desde que tinha ido estudar Engenharia no Rio.

Sentou-se ao lado de uma linda moça, que parecia ter sua idade. Seus traços lhe eram familiares, embora não pudesse dizer bem donde. Se a memória não lhe pregava peças, ela havia estudado em seu colégio.

– Não a conheço de algum lugar? – tentava ele com inocência, esperando que ela o reconhecesse.
– Essa realmente já funcionou com alguma mulher? – respondeu ela sem olhá-lo. Tão bonita, devia estar acostumada à receber cantadas de estranhos e mais acostumada ainda a enxotá-los, embora o leitor atencioso deva ter percebido que não era uma cantada e nem ele um completo estranho, ou a história acabaria aqui.
– Falo sério – ele respondeu, embora tivesse ímpetos de responder que: sim, já funcionou. – Do Correia Lopes. – ela o olhou. Então ele era mesmo um conhecido de seu odioso período de Colégio. Ele, percebendo que algo mudara em sua expressão, emendou logo: – Qual seu nome? – Joana, disse ela mecanicamente.
– Joana? Sou o Fernando! Lembra-se de mim? – Ele lembrava-se de Joana. A garota mais bonita de sua sala. Haviam compartilhado juntos dos mais lindos momentos que se possa imaginar, jantares à luz de velas, caminhadas na praia… tudo muito bonito até o momento que ele acordava. Ela respondeu que: não, na verdade não se lembrava dele, o que não o surpreendeu. Não era bem quisto entre os professores e talvez menos entre as garotas. Porém, ela parecia agora bem menos antipática e ele aproveitou. Conseguiu embalar uma alegre conversa, usando de técnicas para prender a atenção das garotas que havia aprendido em seus anos sodomo-gorromenses de faculdade.

Conversaram sobre o colégio, causos comuns que eu imagino que todo Centro de Ensino deva ter tido para fazer jus à tal nome: aquele do pequeno incêndio na lixeira do pátio, a garota que foi descoberta tendo um caso com o professor de Biologia, os alunos pegos no banheiro fumando maconha. Eles riam. Ele surpreso por ter encontrado por acaso a garota mais bonita de sua antiga sala, ela por ter mais boas lembranças daquele período do que imaginava.

O único drinque que ele haveria de tomar tornaram-se cinco, e ela, que antes tomava refrigerante, já estava embriagada, vitimada de outra técnica que ele havia aprendido no Rio. Fazendo pouco caso pela aliança dela e sabendo que seu esposo só chegaria no dia seguinte, conseguiu convencê-la a ir ao quarto dele. “A faculdade de Engenharia finalmente havia servido para alguma coisa”, pensou.

O que aconteceu no quarto não convém contar. O leitor, que não deve ser bobo, use de sua imaginação, pois fico tímido ao abordar estes assuntos sórdidos. Se a descrição dos fatos é necessária, usemos de uma analogia machista para narrar o acontecido: a presa, após devorada, deitara-se mansamente sobre o peito do caçador. A analogia deve-se ao comentário que Fernando costumava tecer (um ex-professor de História do Correia Lopes e que se tornou amigo do caçador): Joana devia ser um animal na cama.
– Fernando tinha razão – disse ele entre pequenas risadas.
– Que Fernando?
– Nosso antigo professor de História.
– Não o conheci. Ele dava aula somente para os terceiros anos e eu saí do colégio ao fim do segundo, em 2002.
– Ah, é verdade… deixa pra lá. – Não era verdade. Ele formara-se em 2002 e lembra-se de Joana, lembra-se ainda de, bêbado, ter dado em cima dela na festa de formatura. Seu olhar agora estava tenso, mas ela não via nada. Não mais tocou no assunto porque durante as reticências havia percebido qual Joana era aquela: uma garota do segundo ano que ele e os amigos infernizavam, conhecida em todo o colégio como Joana Bola, por ser gorda, ou Joana Dark, por ser gótica. Ela saíra por não agüentar mais a chateação diária – sendo este um adjetivo brando.

Ele deu uma desculpa que teria uma reunião no dia seguinte, quase a expulsando do quarto. Ela, que ainda estava meio zonza dos Martinis e não percebeu a revelação, ainda deixou seu telefone, tadinha! Para que marcassem de se encontrar quando estivessem ambos novamente em São Paulo.

No dia seguinte seu marido chegou e, por culpa do garçom linguarudo, descobriu a traição e pediu o divórcio. Já o caçador nunca telefonou, talvez pela culpa de tê-la tratado tão mal em seus anos juvenis ou porque – nossa cabeça tem dessas coisas – não conseguia deixar de ver Joana Dark quando olhava para ela.

Mas nada disso impedia que ele se gabasse, com fingida modéstia, principalmente com Fernando: dormiu com Joana, a mais bonita garota de sua antiga sala. Ela era mesmo um animal na cama.

Por: Henrique Antero

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