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terça-feira, 12 de julho de 2011

Amizade mesmo é a do homem com uma bunda



Já passava das onze e do quinto uísque e ele ainda no botequim, à esquina de sua rua. Trocava, de hora em hora, breves comentários – sobre política, futebol, crimes, a loira que entrou e pediu uma coca – com o dono do bar, Gonçalves (ou Moacir, nunca lembrava ao certo, ainda menos depois do sexto uísque).

A loira voltou ao balcão, dessa vez para pagar a coca e ele pode confirmar os comentários tecidos anteriormente para Goacir: costas lindas, cintura perfeita, bunda espetacular que delineava o vestido branco em sua direção, como se fossem velhos conhecidos. E quando a bunda virou, o reconheceu: André! Há essa hora no bar? Como estão as coisas? – era Claudinha, mulher de um grande amigo seu. Nesse momento ele se sentiu como um cachorro, como se estivesse traindo o seu amigo e tentava apagar de sua mente todos aqueles pensamentos sórdidos. Afinal, eram direcionados a uma bunda anônima e não a uma de amigo seu.

– Vida de escritor, sabe como é. – ela riu um riso frouxo e ele nunca havia a visto tão simpática na companhia de Amaral. Inclusive, nunca havia a visto se não na companhia de Amaral. – Tudo bem e com você? E como vai o Amaral?

– Não tá sabendo? Nos separamos. – Nesse instante ele percebeu que nunca fora lá muito amigo de Amaral mesmo, ainda por cima, aquele calhorda lhe devia 50 reais.

Convidou-a para tomar algo e ela aceitou. Conversaram até uma da manhã, quando ele chegou a seu último cigarro. Cláudia – ela revelou que detestava a mania Amaralesca de chamá-la de Claudinha – levantou-se e foi até o balcão. Comprou um maço de cigarros, a mesma marca dos dele.
Não sabia que você fumava. Não fumo, respondeu ela enquanto rabiscava algo no interior do maço. Esse aqui é o endereço da minha irmã, eu estou ficando lá por uns tempos. Ela é médica e sai as cinco para trabalhar. Aparece lá amanhã esse horário para tomarmos um café. – A voz dela ia para um tom grave, assim como seu rosto transformara-se e ele se perguntava que tipo de café mais malicioso era esse. Certamente não era o que sua avó oferecia às vizinhas. – Preciso ir. Te espero amanhã, André. – E despediu-se dele com um lânguido beijo na bochecha (só mesmo quem já tenha recebido um beijo lânguido na bochecha pode imaginar o que é um), que o fez lembrar um dia, no ano passado, em que ele havia pedido um favor à Amaral e ele disse que nada podia fazer. Não se lembrava que favor era esse, mas certamente era importante. Era mesmo um filho da puta, esse Amaral.

Acordou no dia seguinte às duas da tarde e nem a ressaca poderia desanimá-lo tanto quanto o tempo: ainda faltavam três horas para o encontro com Cláudia. Arrumou-se em quinze minutos e ainda restavam-lhe bastantes minutos, que ele matava fumando compulsivamente. Deu tempo de arrumar a casa e limpar toda a sujeira de seu quarto e enquanto jogava o lixo fora, aproveitou para jogar no triturador a carteira de cigarros vazia de cigarros, mas com o endereço de Cláudia. Quando percebeu o que havia feito já era tarde demais, só havia tempo de gritar a si mesmo que era burro, um imbecil, etc. Pegou seu paletó e foi ao bar, comprar mais cigarros e talvez tomar um uisquinho.

E aquela louraça de ontem? – perguntou Gonçalves

Vida de escritor, sabe como é. – Gonçalves imaginava que vida de escritor devia ser uma bela bosta, isso sim, já que nunca havia visto um livro dele publicado e todo dia ele estava ali se entupindo de uísque e pedindo que não interrompessem seu processo criativo. – Desce um uísque, Moacir.

– Meu nome é Fernando. – respondeu Fernando enquanto descia o uísque.

E a vida continuou para André. Nunca mais ouvira falar de Claudinha ou Amaral – que ainda lhe devia 50 reais, o filho da puta.

Por: Henrique Antero

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