Desde pequeno, aprendi a profissão de “capoteiro” com meu
pai. Se bem da verdade, isso era mais um biscate que uma profissão,
propriamente dita. Meu velho e eu passávamos os dias andando pelo acostamento da
Dutra, pra lá e pra cá. Costumávamos tirar a sorte grande em período de férias,
carnaval e outros feriados em que as estradas ficavam cheias e o os motoristas dirigiam
com a cabeça cheia de álcool.
Sempre que acontecia algum acidente, estávamos lá. Quando
fingíamos que éramos médicos, dava pra ganhar um troco maior. No momento de
imobilizar a vítima ou abrir seus bolsos para procurar contatos de parentes,
furtávamos celulares, dinheiro, relógio e até cordões de ouro. Claro que,
tínhamos que dar no pé o mais rápido possível, antes dos parentes chegarem.
Lembro que um dia, o acidentado estava acordado e usava um relógio importado,
coisa de bacana. Demos um murro na cabeça dele pra desacordá-lo... mas tudo em
nome de um relógio de primeira.
Meu pai se foi, e fiquei fazendo capotes sozinho. Com o
tempo, descobri que a Régis Bittencourt era uma excelente pedida, já que o
limite de velocidade é maior e os radares são escassos. A Rio Santos também não
era nada mal. Em muitos anos de capote, consegui 76 relógios de ouro, 19 mil
reais em espécie, 34 pares de brinco, 29 pulseiras, 120 celulares e até algumas
trouxinhas de maconha. A vida de capoteiro era tranquila, mas exigia paciência.
Cá estou eu, com a roupa do corpo e recém-saído da prisão,
10 anos guardado junto com as traças. Cá estou eu, atropelado por um carro que dobrou
a esquina da delegacia rápido demais e foi embora. Sabia que ninguém apareceria
para ajudar, nem um mero capoteiro... quem iria capotar um Judas, liberto da
prisão e sem um tostão nos bolsos?
Estava com poucas forças, cheio de sangue, avistei um homem
se aproximando de mim. Não sei se era delírio, parecia um homem, parecia um
chacal.
- Que quer de mim, um pobre moribundo? Se você é capoteiro,
nem vem, de mim não tem o que levar!
Perdi as forças de vez. Minha alma já havia sido capotada.
Por: Papa Lezzagon
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