Páginas

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Cinco anos

Aguiar era novo na empresa. Mesmo assim, o chefe não dava refresco. Era “burro” para cá, “imbecil” para lá, “incompetente”, “tosco”, “viado" e outros nomes. Dr.Severo era um homem de maus bofes e, quando encarnava com um funcionário, não havia cristo que o fizesse mudar de ideia. O Aguiar bem sabia, mas a crise estava aí, batendo à porta. Como colocar a comida na boca dos filhos, a calcinha na xavasca da mulher e pagar o carnê da geladeira sem emprego, Aguiar? Não havia remédio. “Aguenta, meu filho, logo você ganha uma promoção ou a empresa muda a chefia”, aconselhava a esposa. Aguiar chorava baixinho, quando ninguém estava vendo.

Numa segunda-feira, caiu um projeto importante em suas mãos. “Quero para ontem, seu merda!”, foi logo avisando o Dr. Severo. Aguiar engoliu em seco e tomou a decisão: provaria a todos que era capaz. Varou a noite, furou almoços, juntou dados, planilhas, teorias, literatura especializada. Até despacho fez. No fim, submeteu um senhor projeto ao patrão.

Foram dois dias de apreensão até o Dr. Severo chamá-lo à sala, não aos gritos, mas, de forma cordial. Fez sinal para que o Aguiar se sentasse, ofereceu cafezinho e manteve a voz baixa. Naquele tom, quase desprovido de emoção, desferiu o golpe mortal. Reduziu o projeto a nada. Chamou de bobagem, de mal embasado, de lixo, de serviço de filho da puta. Quando deixava a sala, com o coração em pedaços e a alma por um fio, o rapaz ainda ouviu o  comentário: “Você é um incapaz. Talvez daqui uns cinco anos você consiga me apresentar algo decente”.

Ficou com aquilo na cabeça. Cinco anos. 

O tempo passou, destruindo lembranças e calejando o coração dos homens. Menos o de Aguiar. Ele padeceu de febres, delírios e tremores. Emagreceu a ponto de suspeitarem de diabetes, ou coisa pior. No serviço, não falava com mais ninguém, murmurava frases desconexas, incompreensíveis. Acordava à noite gritando, suando, gargalhando. Descuidou da higiene, virou bicho. A mulher não aguentou o sufoco. Pegou o filho e foi-se embora com um motorista da Granero.

Cinco anos depois daquela fatídica conversa com o Dr. Severo, Aguiar apareceu no trabalho de barba feita, unhas cortadas, cabelos aparados e camisa nova. Sorria e esbanjava saúde. Cumprimentou os colegas e foi à sala do antigo chefe, àquela altura promovido a diretor executivo.  Severo nem teve tempo de compreender o que se passava. Aguiar investiu contra ele e, de faca não, fez miséria. Foi de uma crueldade assíria e castigou tanto o corpo do antigo patrão que, no velório, o caixão teve de ser lacrado.

À polícia, declarou-se culpado. Foi preso, julgado e condenado a quinze anos de cadeia. No dia em que saiu a sentença, o advogado tentou tranquilizá-lo. “Você é primário, réu confesso, tem bons antecedentes. Acho que consigo tirar você da jaula em cinco anos”. O Aguiar apenas sorriu. Cinco anos, pensou, nem era tanto tempo assim.

Por: Voltaire de Abreu

Nenhum comentário:

Postar um comentário